... existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.

(Clarice Lispector)

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Veneno

A cada dia que passa
O ócio me convida
A morrer um pouco mais.

Meu riso, minha espontaneidade
Já se foram
Consumidos pelo tempo que não passa.

As vozes se desfazem na minha lembrança
E as imagens se confundem
E me escapam.

É inverno dentro.
Nem os cheiros são mais os mesmos
Nem os dias são mais trevosos.

O tempo me congelou.
Nem a raiva, nem a angústia
nem o riso, nem a euforia

Tudo se desvaneceu
Tudo evaporou
Tudo feneceu

A cada dia que passa
O ócio, com seu fel
Me envenena um pouco mais.

Epifania

Ah, a brevidade...
A vida é tão efêmera
Quando escrevo fico um pouco mais...

Delir

Aqui neste quarto
as coisas ficam onde caem
a folha trazida do vento
seus olhos que aos meus invadem.

Aqui neste quarto
nem sempre se tem sossego
lá fora só o barulho
e dentro o que não esqueço

Aqui neste quarto
às vezes a noite é longa
o pensamento se expande
e você me convida
a sair da solidão.

Depois, lá fora
meu beijo feérico se dissolve
e ter você nunca me aconteceu

Aqui neste quarto delir...
devir lírico
desfazer apagar
dissolver diluir.

Hai-Kai's e Poeminhas

SENTIMENTO AZUL
O VENTO ME INCLINA
A LUA CHEIA
MELANCOLIA

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ASSOBIO NO VENTO
VOCÊ VINDO
A PASSO LENTO

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LUZ BRANCA
NA PENUMBRA DA SALA
TUA PELE ALVA

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COMO AS CORES
MEU PENSAMENTO EXPLODE
EM DIVERSAS TONALIDADES

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PENSAR EM VOCÊ
É VERMELHO

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MEIO DIA
LEVANTO
MEIA NOITE
ACORDO

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INSÔNIA
NO INVERNO

INVENTO
O INVERSO

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POR ENTRE A BRUMA
O INVERNO ME ATRAVESSA
E SAI DE MIM
MAIS AZUL DO QUE ENTROU

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O MUNDO A ENGOLIA

A crônica

O velho problema de se contar uma história...
a coerência
a cronologia
a confluência dos sentidos
a inspiração
a memória
distorção
caso, acaso, descaso
o desgosto, o amargo
o gosto velho na boca
cansaço, desespero
a entrega incerta
aos pensamentos intrigantes
aos fatos recorrentes
decorrentes
de esquemas mais ou menos
conscientes
sensação, percepção, experimentação
é, são só palavras afinal
pra tentar figurar
transcrever
o que não se pode falar
por não saber explicar
o que não se pode entender
a chave é criar
imaginar
habitar
outro lugar que não aqui
em um momento que não este
fingir? fugir?
pode ser, o que quiser
é tudo real
e tudo mentira
nada disso existe
a não ser escondido
num lugar escuro
obscuro
do pensamento
mas não importa
é só pôr movimento
juntando os pedaços
cacos
laços
conectando tudo isso
com essas palavras inexatas
que querem dizer tudo
sem eu ter dito nada.

Ocaso

Da varanda da casa
Suspenso da vida
E da cidade
O pôr-do-sol me encerra.

Com os olhos coloridos
Pelas nuvens brancas,
Azuis, laranjas, lilases -
tingidas de tarde
- Observo o movimento.

Vejo o dia se afunilar na avenida
Na direção do sol, oeste
Poente de minhas angústias,
De meus apelos, de minhas dores.

O dia saindo de cena
Pinta o céu
E pelas sombras, na rua
Caminham cansados os transeuntes.

A noite vai pingando as estrelas,
Cada gota é uma lágrima
E o céu da cidade me inunda,
Melancolia.

A lua subindo por detrás das casas,
O tempo repartido em momentos
Acontecendo no horizonte,
A vida entardecendo na cidade amontoada.

Da varanda da casa,
Suspenso da vida,
O tempo parou
Pra ver o sol morrer em mim.


----Escrito da varanda de uma casa muito especial conhecida como 'Rio Som', numa cidade louca do interior de São Paulo, no dia 23/02/06.

Stormy Blues

e nessa chuva incessante constante meu pensamento se expande até limites inimagináveis e a luz azul combina bem com esse blues que me faz lembrar você e eu e tudo que rodeava deixando tonto as noites mal dormidas e esse gosto estranho na boca que não me deixa pensar em outra coisa só nessa intensidade louca que você provoca em mim e que eu queria provocar em você também e que tudo isso fosse tão doce como aquele céu de baunilha da cidade terra do nunca e onde nunca aconteceu da gente se beijar assim tão lentamente num momento suspenso as mãos se entrelaçando os hálitos bem perto até as bocas se encostarem devagar e quente e úmido e nos lançar bem alto num salto de um abismo de onde jamais poderíamos retornar para aquela posição confortável de outrora um voô cheio de liberdade e de paixão e de vida uma coisa tão grande que não caberia em mim nem em você e teríamos então que nos tranformar pétalas de flor virando borboletas de vida tão curta que esse beijo nos mataria.