... existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.

(Clarice Lispector)

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Da Saudade

Ah, a saudade...
A saudade é como vinho, inebriante, calorosa, um pouco amarga no final do gole, mas extremamente deliciosa aos lábios, ao corpo e à mente.. sensação de confortável entorpecimento...
Principalmente a saudade é boa quando se prolonga, se estende por um tempo que parece que não vai ter fim... Mas, quando chega a promessa do encontro, ah! que maravilhoso é sentir saudade!! As lembranças se tornam mais doces, nos fazem sorrir sozinhos, olhando o horizonte e tendo à frente imagens de um filme que a vida fez, de nossos passos e nossos caminhos com pessoas tão especiais.
Tenho sentido muita saudade esses últimos tempos. No começo, a saudade era dolorosa demais, pois trazia a vontade de possuir de novo aquela coisa fugidia que o tempo carregou com as ondas do mar, mas que se perdeu no meio do oceano revolto, trazia a vontade de um tempo que já não voltaria mais, nunca mais. Mas depois, ela foi se tornando mais branda, e então surgiu um sentimento de ternura por todas as coisas e pessoas que tinham passado por mim e que foram parte do que sou agora. Hoje, a saudade é uma ponte para o que virá de novo. O tempo não volta, eu sei, mas as pessoas que ele me trouxe não foram embora, não se desfizeram em areia. Estão aí, por perto, todos nesse mesmo barco, todos embracando na mesma viagem rumo a uma ilha desconhecida pra qual a vida vai nos carregar. Ninguém sabe onde vai dar, nem quem será o primeiro a gritar: Terra à vista! Mas sabemos que, fazendo essa viagem juntos, não importa onde iremos parar, mas sim que surpresas o mar nos trará neste caminho. Ah, meus amigos! Como os amo! Estarão sempre comigo e a cada novo encontro a felicidade vai nos atingir em cheio...

quinta-feira, 24 de julho de 2008

...

De repente a gente percebe que nossa vida enveredou por novas rotas, que não eram previstas, que não estavam no nosso roteiro. E de repente a gente percebe que esses caminhos não planejados é que foram essenciais para formar a pessoa que somos neste momento. Tudo que foi, é ou será sempre nos surpreendende. A vida é muito grande. E por isso só peço dela que ela me leve por atalhos que não conheço, por caminhos não explorados, para que eu possa extrair dela o que há de melhor: os encontros ao acaso.
Afinal, "perder-se, também é caminho..." (sábias palavras, Clarice.)

sábado, 12 de julho de 2008

Flores no vento

Flores no vento,
saudade voando colorida.

Pétalas de amor
se espalham por todas as direções,
tocam de leve no rosto,
deixam perfumes de vontades,
sensações nostálgicas
de vida vivida
de marca impressa.

Flores no vento
são beijos que te mando.

Pelos dias compridos,
pelo sabor de aventura,
pelas cores com que me pintaste.
Sou mais leve e mais intensa,
vôo com o vento e sou livre,
Pétala perfumada
tocande de leve seu rosto
pra ser relembrada.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Madrugada

Lá fora não há vento. Só frio. Como se o tempo estivesse parado, congelando a madrugada, congelando o instante. As grades da janela separam o mundo lá fora daquilo que no quarto está preso, grudado nas paredes, pairando no ar denso e envolvente, esfumaçado de medos solidão anbandono desespero angústia insatisfação melancolia sufoco apatia. As grades da janela distanciando a presença. Mas dentro de mim sua presença é constante, invade umidifica apavora fascina suga entorpece. Imagino mil encontros, mil palavras, mil carinhos, mil lugares. Você está em todos eles e em nenhum deles. A chama da vela vai amarelecendo minhas sensações, numa luminosidade mais confortável do que a luz branca da lâmpada ofuscando meus pensamentos. Você está aqui, mas não está. Você me invade e me domina, mas não sabe. Aqui neste quarto gelado, entre lençóis e cobertores, travesseiros e desejos úmidos, sua lembrança me envolve inteira em chamas, labaredas, salamandras e dragões. Sinto todos os seus cheiros, todo seu corpo e o calor do seu hálito. Lá fora nada se move. Olhando pela janela de grades neste tempo suspenso, lembro de sua beleza e da sua voz. Lembro de tudo. Aguardo ansiosamente o dia em que você virá, estendendo a mão num convite irresistível. E só então o dia vai se mover novamente.

Morte Branca

O dia frio convidava-lhe a ir embora, enfiar-se novamente em cobertores, vinhos, imagens sem importância na televisão, o gosto pungente da vida secando a boca. Mas recusava deliberadamente esse convite ao tédio - que vai aos poucos consumindo a carne, acidamente corroendo as vísceras. Preferia permanecer ali, prostrada no jardim público, a contemplar a vida que acontecia em volta. Sentia-se solitária. É bem verdade que mesmo entre as pessoas que povoavam seu cotidiano sentia-se do mesmo jeito, a navegar sozinha por um mar de vicissitudes. Ali não era diferente, a não ser talvez pelo anonimato, que lhe conferia, até certo ponto, uma suposta liberdade. "Até certo ponto" e "suposta" porque a cidade exigia-lhe seus pudores, sua conformidade. E ela, naquela suave entrega, entardecia fria com o dia, calmamente à espera de que viessem resgatá-la dessa infinitude de pensamentos desconexos. Concetava-se sim com algo suspenso, quase sagrado, que permeava-lhe a respiração. E no seu silêncio de pássaro esbanjava mistério e uma secreta vontade de girar, dançar, cantar, gritar, até exaurir-se, até esgotar-se. Mas alguma coisa a fazia permanecer ali, quieta, linda paisagem imutável. Nos desejos ocultos que a consumiam, a tentação de embrenhar-se no meio de um mistério qualquer do universo. E assim, nessa contemplação muda, mergulhou no céu da noite que ia surgindo. Sumiu de seu copro sem dor, sem desepero, antes com alívio, com renúncia. Morreu imóvel, sentada naquele jardim suspenso, pálida, o olhar nas estrelas e a alma a rodar...