... existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.

(Clarice Lispector)

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Amor, ou o absurdo cotidiano.

Pensar, criar, escrever, falar, questionar, investigar, imaginar. Categorias do mundo das palavras, regentes de nossas abstrações. Sem as palavras, o mundo seria apenas um engodo caótico. Temos necessidade de entender e dar significados às coisas, porque acreditamos que talvez assim seja possível exteriorizar e dar sentidos ao que pensamos sobre nós mesmos.

O amor, por exemplo. Sentir amor deveria ser um gesto, algo tão sutil e leve que não merecia carregar o peso dos signos que atribuímos a essa sensação tão peculiar da humanidade. E durante nossa vida aprendemos que o amor é uma virtude, é a solução de todas as misérias, é a causa única de toda necessidade que temos uns dos outros; é flor, música, poesia, beleza, perfeição. Nascemos sob esse estigma, vivemos esse estigma cotidianamente. É o fardo de nossa condição de seres subjetivados. Compramos o amor em lotes, transformados em versos de canção, em anais de poesia, em comprimidos de barbitúricos, em líquido nos vinhos tintos, em frases melosas de novelas de tv, em filmes em que encontrar e perder e reencontrar o amor depois de tantos acasos absurdos só pode mesmo ser chamado de "comédia romântica". O fardo das muitas palavras ditas sobre o amor nos carregam de sonhos e de ilusões. De possibilidades irrealizáveis X os encontros possíveis.

E assim, no nosso absurdo cotidiano das cidades amontoadas e de pessoas indiferentes, o amor está em toda parte. Ou deveria estar. O amor é coisa que cruza o nosso caminho 15 mil vezes por dia, e pode ser encontrado em cada esquina aos montes. Mas como pode a força mística e incansável do acaso unir dois corpos que dançam desgovernadamente e se procuram sem saber?

Fênix

Sou cinzas de um tempo ido
renascendo no agora.
Das chamas transmuto em paz,
caos de pó e restos
que se refazem e me reinventam.

A transformação em beleza
e força ardente,
o movimento de remoldar o devir,
as reverberações dos sentidos
e as ressonâncias de vontades novas.

As múltiplas existências me atravessam
pois a cada novo ciclo
sou uma vida nova
que se lança no mundo.

Sou poesia, leveza, encanto,
Sou vida, sou fogo, sou renovação.


sábado, 4 de abril de 2009

É, talvez isso de querer escrever com uma certa beleza etéra, algo que transcenda o próprio ato da escrita, seja o que mais me preocupa quando escrevo. Mas é também algo que de certa maneira soa impessoal, inverossímel, como se o que eu estivesse tentando dizer ficasse obscuro, apenas suspeito, nas entrelinhas... sinto que isso me impede de me jogar de verdade na coisa nua e crua do que me impulsiona.

Certa vez li um trecho de Caio Fernando Abreu que dizia: "Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta."
Isso me faz pensar que eu raramente me arrisco a colocar pra fora toda a gosma mesmo, aquela coisa mais amarga e fedida que está me enjoando. Aquilo que consiste todo o ato da entrega. Tudo sempre tão cheio de floreios, sinuosidades, metáforas, como que pra desviar aquela coisa incômoda que não sabe ser dita.

E daí?? E daí se o que eu desejo te incomoda, te enoja? E daí que meu querer é bizarro, louco, imundo, irreal??

Foda-se você e as suas perguntas. Foda-se você e seu julgamento, seu pré-conceito, seu pudor. Nem tudo é poesia. As coisas também são feias, fétidas, podres. Eu, você e todo o resto.