... existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.

(Clarice Lispector)

domingo, 7 de agosto de 2011

Cogito Ergo Sum


Vivo através das palavras
Que vêm do meu espírito
E da minha vontade de criação.

Todos os mundo imagináveis
Podem ser vivos -
Basta pensá-los e nomeá-los.




(Imagem por George Schall)

domingo, 24 de abril de 2011

Amor e violência

Como uma loucura tão intensa. A relação que se fazia ao longo dos anos tinha sido marcada por diversas sensações incompreendidas. Nenhuma delas podia advinhar de onde vinha tamanha intensidade. Era um amor inexplicável e que causava medo. Toda a vida construída assim, amor e medo. E claro, não havia a possibilidade da perda e era isso o que causava mais medo: estaria sempre ali. As diferenças um dia tinham servido para aproximá-las, como metades que se contemplam. Uma ternura e a outra guerra. Uma a ingenuidade, a outra a esperteza. Uma o dia, a outra a noite. Depois de um tempo, veio a violência. Não poderiam nunca resgatar quando começou exatamente, mas o que antes era seguro passou a ser traiçoeiro. Chegou a tal ponto de absurdo que a única intenção possível de toque e aproximação era a briga, a agressividade, o desejo de marcar a pele da outra com a força. A única possibilidade de demonstrar amor. Foi o único modo que encontraram de continuar se amando apesar das diferenças. Até o dia que aconteceu. Uma marca tão profunda que as distanciou completamente. Já não podiam evitar, a separação era evidente. O amor que sempre renascia das cinzas, conusmido em ódio e carinho, esse amor que era alimentado pelo laço de sangue que as unia, pereceu por ele. Nunca senti tanta tristeza.

terça-feira, 8 de março de 2011

Fumaça e fogo

Segurava o livro como se fosse uma relíquia. A única que lhe restara, depois que todos os sonhos e tesouros reais e imaginados tinham sido destruídos pelo incêndio. Estava sozinha, na plataforma da estação, sem saber que destino tomar. E como se todos à sua volta rissem dela, chorou. Nunca imaginou a solidão completa e tão desejada como algo tão desesperador. Era fácil ser toda independente e forte e mandar todo mundo se foder quando havia para onde voltar. Sentada, relia as páginas que pareciam ser sua única salvação. Seu único elo com a vida que fora, destruída em poucos minutos e grandes línguas de fogo e medo. As lágrimas embaçando a visão e molhando as palavras que lhe rasgavam a pele. Só conseguia lembrar do fogo consumindo tudo e dos olhos que suplicavam. E seus olhos, tão vermelhos como as chamas, tão cegos como se feitos de fumaça densa. Ódio. Arrependia-se?

Pensando nisso, enxugou as lárgimas e, tão calma como se tivesse alcançado uma inevitável verdade, saiu a caminhar pela linha do trem. Sorrindo, virou-se para trás ao ouvir o barulho da locomotiva. Recebeu tranquila e de braços abertos o único destino compatível com sua condição assassina e solitária.

O livro permanecera aberto no banco da estação. Em suas páginas manchadas das lágrimas, os versos restavam intactos e severos:

"Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem,
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?"*





* Álvaro de Campos

quinta-feira, 3 de março de 2011

Outono, estação do interstício.

O outono já chegou em mim. Já nasceu em mim, aliás. Ou eu nasci nele, quem sabe.
Nasci na sua constante busca pelo entre: entre extremos, meia-estação.

Sou aquela que sempre prefere as entrelinhas, o sub-entendido, percepções que só são possíveis pra quem está aberto a interpretá-las. Mais que isso, vivê-las. Ser o que só se mostra a olhos semi-nus.

Outono. Chega sempre primeiro em mim, antes de todo mundo.
Sua entre-vida se anunciando pros que são seus.

Busco da vida aquilo que ninguém vê. Aquilo que está no meio de duas mãos que se tocam, de duas partículas sub-atômicas, de dois corações distantes, aquilo que entra pelas fendas do tempo-espaço, que perpassa alvoroçada toda a procura que inquieta o espírito.

Busco o outono, estação do interstício. Busco mais, seu significado todo místico de renovação.
A vida que se faz constante no morrer e nascer, que se imprime nas cores quentes, no vento que carrega as folhas. Da vida feita pela mão que chacoalha as árvores, que une duas vidas numa só, nascimento-morte-renascimento-morte-vida.

Outono, estação do interstício. Me engolindo no seu friorento intervalo de existência, onde tudo que está entre-sub-escondido-não revelado se mostra a quem está atento.

Abra os olhos para sentir.

Brisa

Tão difícil fazer-se. Mas faço-me... Aos poucos, sem pressa. Na contra-corrente de tudo o que se pretende hegemônico. Nunca fui das massas, nunca pretendo sê-lo. Estou dentro do mundo, e ao mesmo tempo à parte dele. E prefiro assim, solta e leve e livre. A minha singularidade aflorando singela, bater de asas de um beija-flor.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

18.02.11 ou Passagem de uma solidão

Vontade de estar só. Estou no meio da multidão, mas estou só. Anônima. Apenas um estranho simulacro de coisa incompreendida.
O dia está tão estranho como eu. Há pouco choveu, e a chuva deixou o dia cinzento e abafado. A tarde começa a cair e uma leve brisa passa pela cidade. Vai-se, passageira.
Estou passageira hoje também. Aqui no trem, indo para a cidade agitada e cheia de gente. Engraçado essa vontade de solidão me atrair até São Paulo. Mas acho que no meio de tanta gente imiscuída na própria vida, é impossível não sentir-se só.
Em casa tudo está como sempre, e isso me irrita profundamente. Estou indo ao cinema. Vontade de me esquecer, adentrar um mundo diferente, acessar outra dimensão de tempo-espaço que não esta. Mergulhar numa história inventada pra sair de mim.
Me incomoda o jeito que a minha mãe tem de nunca compreender minha necessidade de solidão. Será que ela não percebe toda essa gente em volta de mim o dia todo, querendo respostas sobre a bagunça de suas próprias vidas? Como se eu fosse capaz de colocar as coisas no lugar. EU! LOGO EU! Eu, tão confusa, tão ingênua, tão menina ainda. Eu, que não sei o que quero, que não consigo reconhecer o que sou.
Tudo é tão cinza como esse dia, entardecendo mormacento e vagaroso. Horário de Verão. Duas coisas com as quais eu não me dou bem. Tempo e Calor.
As pessoas do trem vivendo, como eu, suas próprias vidas, e os outros paisagem corrediça, cenário mutante de todos os dias. A vida continua acontecendo, e só eu paro para pensar nessas coisas. Ainda que o meu corpo se movimente no espaço sem que eu mexa as pernas.
O dia, a cidade, as pessoas. Todos os dias vejo e falo com pessoas vivendo de maneiras impressionantes e absurdas. A própria vida, isso mesmo. Impressionante espetáculo do absurdo, onde nada do que é imaginado é irreal. Pense, e pode vir-a-ser.
Possibilidades e potencialidades nem sempre criativas. Muitas vezes, ao contrário, destruidoras.
Olho o relógio da estação. O tempo. O espaço. O lugar em que estou parada, a vida sempre em movimento.
A vida sempre destruindo para criar. Nem sempre o belo. O não-dito todo sujo e podre.

DES-TER-RI-TO-RI-A-LI-ZA-ÇÃO

Às vezes acho que entendo, às vezes não compreendo o sentido desta palavra tão ameaçadora. A destruição de um desejo também pode ser chamada de desterritorialização?
A vida me ameaça com sua beleza inquietante. Mas me intriga ainda mais sua feia aparência disforme. E minhas próprias possibilidades belas e sujas.

Nem sei se estou mais fazendo sentido. Mas hoje me permito.


*

Ainda 18.02.11

Já é noite. Não fui ao cinema. Como Adoniran, não posso arriscar-me perder o último trem. O adiantado da hora, a demora da viagem, fizeram com que eu me perdesse nessa coisa de tempo.
Não faz mal. Vim à livraria, meu lugar favorito nessa cidade-casa.

Tenho um respeito enorme pelos livros. Pela palavra escrita, pela voz que não soube ser som, só desenho de mãos tortas e trêmulas, como esta. Transcrevendo desejos intensos, secretos e ocultos.
A poesia, palavras selecionadas com esmero, cadência e melodia. Tornando belos os pensamentos mais bizarros. Desejo que se torna possível com o contato da tinta com a matéria prima da produção literária. A folha em branco, a página virgem, tão desejosa de ser deflorada.
Quanta delícia e espanto numa simples folha de papel. Invenção sem pudores de mundos alternativos, maravilhosos. Vontade de habitar outro copro planetário, qualquer coisa mais etérea e real.
Estou tão repetitiva hoje. Esse cansaço do mundo, essa pressão na cabeça fazendo doer os olhos e as idéias.

Densidade.
Vou escrevendo e cada vez mais as palavras parecem não ser minhas.
Não importa. Hoje sou não-sendo, e vou me fazendo ao me criar outra.
Que delícia esse estado de torpor subjetivo.
Essa coisa silenciosa e calma, confortante e alienante.

Há mais de duas horas não pronuncio uma palavra, não troco com o mundo.
E sinto que digo mais assim e estou me expondo mais do que fiz toda essa semana, talvez o mês, ou anos.

Escrevo para me saber.
Escrevo porque gosto.
Escrevo porque não quero falar.
E escrevo porque ninguém entenderia minha voz suplicante hoje.

Quero estar cada vez mais só.
Me sinto tão bem como se tivesse acabado de nascer.
E vou me escrevendo....

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Entre um meio e outro

Nos entremeios, nos entretantos, nos entrepostos, nos entreportos.
Nem tudo é posto, nem tudo porto.
Nem sempre entre, mas sempre um meio.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

"Os dias que eu me vejo só, são dias que eu me encontro mais..."

Saudade de escrever.. o que? não sei... qualquer coisa viva, quente, pulsante... ou qualquer verdade amarga sobre o escuro dos meus pensamentos que eu quero calar. Saudade de escrever e me embrenhar no poço do mais solitário sentimento, escrever para o vazio, imaginando se aquilo será lido, tocado, sentido, vivido, comentado, inspirado...

Saudade de escrever, porque escrever é estar sozinho e completo, com as muitas versões de mim mesma. E estar sozinho é se encontrar.

Saudade de escrever como faço agora... sem medo, sem pensar demais ou reconstruir frases infinitamente. Apenas dizer o que vier às mãos...

Só. Completamente só, para ser o que eu bem entender. Sem me preocupar com o que as pessoas querem que eu seja, e sem me preocupar com a confusão que isso provoca. Ser, apenas ser, viver, organismo pulsante ferida encrustrada na terra, querendo sair.

E amar. Todas essas que são. Todas essas que sou.