... existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.

(Clarice Lispector)

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

"Te dei meus olhos pra tomares conta..."


Ela tinha olhos verdes que ele gostava de admirar, e isso era tudo. Fitava-os com dúvida e até certo temor pela urgência com que eles lhe suplicavam amor. Amava-a, mas tinha dúvidas sobre o quanto esse amor poderia ser vivido com a intensidade que ela possuía. Amava-lhe os beijos, a pele, as carícias. Amava mesmo e sobretudo os olhos, esses que tanto lhe intrigavam e que desconhecia com que profundidade enxergavam. Suspeitava que era isso mesmo que o fascinava naquelas cores verdes, mel, amarelas. Intensas, curiosas. Cores de quem ama, cores que o envolviam e hipnotizavam. Amava-a sem dúvida. Mas um amor tão inquietante que lhe causava medo. 

        Amava-a, mas não podia também esquecer a outra. E nem esquecer que na verdade ela não era a outra, mas a primeira. Amava a primeira também com cores. Amava nela sobretudo o sorriso de sol e os cabelos anelados no vento. Amava a primeira como se fosse mesmo sua outra metade. Tinha planos de construir para ela um castelo.

        A outra, esta sim a outra, a dos verdes olhos, a segunda, a que suplicava tanto, para esta, que cresceu nele tão rapidamente, não lhe saberia construir um castelo. Esta era rastro, era fluida, era passagem. 

Gostava de amá-la encarando-lhe os olhos. Ela tinha olhos verdes que ele admirava, e isso era tudo. Ela pensou nestas palavras quando um silêncio pesado preencheu o quarto, prenúncio do fim. Tudo o que aconteceu entre eles evoluiu daquela relação de cor, súplica e profundidade de olhos tão verdes.

        No silêncio ele soube que o que aqueles olhos queriam jamais estaria ao seu alcance.

       Ela chorou de saudade, e soube que o amor nascia e morria nos mesmos olhos.

       Eu te amo, ela pensou.

domingo, 25 de novembro de 2012

Não tenho medo da minha vulnerabildade, nem vergonha de ser frágil. Essa humanidade toda escorrendo dos meus olhos, é o que movimenta minha existência. Não tenho vergonha dos dias em que eu estou cinza, ou azul. Meu estado natural é a a paixão pela incerteza. A trsiteza me comove, e sinto em todo o meu corpo a comoção pela dor do outro. Tudo o que é fugaz não cristaliza, não se define, não finaliza. Passa mas não acaba, vai embora deixando marcas de sua passagem, e mudando a direção do vento. Permite assim que eu seja outra todo dia, que eu possa ver beleza na transitoriedade. Permaneço, mas já não me reconheço. Me perco de mim, mas me encontro outra.

"A incerteza, a dúvida, a fragilidade, a vulnerabilidade, a fugacidade - são esses os terrenos privilegiados da arte."

Antonio Skármeta.



domingo, 18 de novembro de 2012

Just write what you know

Escrever sobre o que se conhece.
O que eu conheço, desde que me conheço por gente, é essa busca angustiante pelo outro.
E eu posso sempre tentar escrevê-la poeticamente, e ela nunca deixa de ser sempre isso: busca, angústia.

O que eu espero de verdade dessa busca é que, ao encontrar um outro, eu encontre a mim mesma.
Que ao ser olhada, eu veja nos olhos do outro meu próprio reflexo decifrado.
Que ao ser tocada, eu possa definir os reais limites e texturas do meu corpo.
Porque essa vida que eu movimento, e esse corpo que eu habito são demasiado confusos pra mim.
São demasiado confusos os horizontes do meu pensamento, e a urgência que eles têm de entender a existência.
De sentir amor.

Sentir amor....

Cabe ao poeta estabelecer aquilo que permanecerá. Cabe ao que escreve decidir o que fica.
Eu queria saber escrever ficcionalmente, pra que a vida que eu imagino pra mim pudesse existir ao ser criada pelas minhas palavras. Diz-que que do verbo fez-se o mundo. Um ato criador é aquele que nomeia. É poiesis.

Mas só sei escrever o que conheço. E não conheço outra vida além daquela que busca, e espera incessantemente que essa busca tenha algum sentido. E toda a angústia que essa busca traz não é só impaciência pela espera em si, mas a espera também do significado que esse encontro vai trazer. Ou que se quer que ele traga. Que faça mais sentido uma vida que adquire sentido na vivência com um par, do que numa experiência solitária.

Não conheço vida que não queira se ligar a outra vida.
E pode até ser muito fútil, ou ingênuo dizer que passo a vida inteira buscando amor.

Mas o que é o amor, senão aquilo que permanece nas palavras do poeta?


sexta-feira, 26 de outubro de 2012