... existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.

(Clarice Lispector)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

18.02.11 ou Passagem de uma solidão

Vontade de estar só. Estou no meio da multidão, mas estou só. Anônima. Apenas um estranho simulacro de coisa incompreendida.
O dia está tão estranho como eu. Há pouco choveu, e a chuva deixou o dia cinzento e abafado. A tarde começa a cair e uma leve brisa passa pela cidade. Vai-se, passageira.
Estou passageira hoje também. Aqui no trem, indo para a cidade agitada e cheia de gente. Engraçado essa vontade de solidão me atrair até São Paulo. Mas acho que no meio de tanta gente imiscuída na própria vida, é impossível não sentir-se só.
Em casa tudo está como sempre, e isso me irrita profundamente. Estou indo ao cinema. Vontade de me esquecer, adentrar um mundo diferente, acessar outra dimensão de tempo-espaço que não esta. Mergulhar numa história inventada pra sair de mim.
Me incomoda o jeito que a minha mãe tem de nunca compreender minha necessidade de solidão. Será que ela não percebe toda essa gente em volta de mim o dia todo, querendo respostas sobre a bagunça de suas próprias vidas? Como se eu fosse capaz de colocar as coisas no lugar. EU! LOGO EU! Eu, tão confusa, tão ingênua, tão menina ainda. Eu, que não sei o que quero, que não consigo reconhecer o que sou.
Tudo é tão cinza como esse dia, entardecendo mormacento e vagaroso. Horário de Verão. Duas coisas com as quais eu não me dou bem. Tempo e Calor.
As pessoas do trem vivendo, como eu, suas próprias vidas, e os outros paisagem corrediça, cenário mutante de todos os dias. A vida continua acontecendo, e só eu paro para pensar nessas coisas. Ainda que o meu corpo se movimente no espaço sem que eu mexa as pernas.
O dia, a cidade, as pessoas. Todos os dias vejo e falo com pessoas vivendo de maneiras impressionantes e absurdas. A própria vida, isso mesmo. Impressionante espetáculo do absurdo, onde nada do que é imaginado é irreal. Pense, e pode vir-a-ser.
Possibilidades e potencialidades nem sempre criativas. Muitas vezes, ao contrário, destruidoras.
Olho o relógio da estação. O tempo. O espaço. O lugar em que estou parada, a vida sempre em movimento.
A vida sempre destruindo para criar. Nem sempre o belo. O não-dito todo sujo e podre.

DES-TER-RI-TO-RI-A-LI-ZA-ÇÃO

Às vezes acho que entendo, às vezes não compreendo o sentido desta palavra tão ameaçadora. A destruição de um desejo também pode ser chamada de desterritorialização?
A vida me ameaça com sua beleza inquietante. Mas me intriga ainda mais sua feia aparência disforme. E minhas próprias possibilidades belas e sujas.

Nem sei se estou mais fazendo sentido. Mas hoje me permito.


*

Ainda 18.02.11

Já é noite. Não fui ao cinema. Como Adoniran, não posso arriscar-me perder o último trem. O adiantado da hora, a demora da viagem, fizeram com que eu me perdesse nessa coisa de tempo.
Não faz mal. Vim à livraria, meu lugar favorito nessa cidade-casa.

Tenho um respeito enorme pelos livros. Pela palavra escrita, pela voz que não soube ser som, só desenho de mãos tortas e trêmulas, como esta. Transcrevendo desejos intensos, secretos e ocultos.
A poesia, palavras selecionadas com esmero, cadência e melodia. Tornando belos os pensamentos mais bizarros. Desejo que se torna possível com o contato da tinta com a matéria prima da produção literária. A folha em branco, a página virgem, tão desejosa de ser deflorada.
Quanta delícia e espanto numa simples folha de papel. Invenção sem pudores de mundos alternativos, maravilhosos. Vontade de habitar outro copro planetário, qualquer coisa mais etérea e real.
Estou tão repetitiva hoje. Esse cansaço do mundo, essa pressão na cabeça fazendo doer os olhos e as idéias.

Densidade.
Vou escrevendo e cada vez mais as palavras parecem não ser minhas.
Não importa. Hoje sou não-sendo, e vou me fazendo ao me criar outra.
Que delícia esse estado de torpor subjetivo.
Essa coisa silenciosa e calma, confortante e alienante.

Há mais de duas horas não pronuncio uma palavra, não troco com o mundo.
E sinto que digo mais assim e estou me expondo mais do que fiz toda essa semana, talvez o mês, ou anos.

Escrevo para me saber.
Escrevo porque gosto.
Escrevo porque não quero falar.
E escrevo porque ninguém entenderia minha voz suplicante hoje.

Quero estar cada vez mais só.
Me sinto tão bem como se tivesse acabado de nascer.
E vou me escrevendo....

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Entre um meio e outro

Nos entremeios, nos entretantos, nos entrepostos, nos entreportos.
Nem tudo é posto, nem tudo porto.
Nem sempre entre, mas sempre um meio.