... existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.
(Clarice Lispector)
(Clarice Lispector)
sábado, 26 de julho de 2014
Um olho à espreita de uma brecha no real em que se vislumbre o sonho. Mar aberto da minha vontade, nada é mais difícil que o caminho do desejo. Um sopro de fôlego no fim do mundo, um salto de abismo pra quem cultiva o peito aberto. Nada acaba, uma história se reinicia assim que finda uma estrada. Vida habitando inteira na boca que sorri, uma espera que termina num encontro.
sexta-feira, 9 de maio de 2014
Uma espera
A ansiedade de não saber nem quando, nem como nem se...
Dói que nem faca afiada na pele tesa
Vai mutilando meu desejo aos pouquinhos
Até que no fim só sobre uma carne exposta e crua
Um peito rebentado e à míngua
Os olhos cansados e distantes
A voz rouca antes suplicante
A fé escorrendo sangue a fora...
Já desnuda e viva
Muito mais viva do que jamais fora
Real aos olhos teus e de um
Verás tuas asas e tua redenção
Teus anseios calados
O silêncio profundo de um momento bastante
Dois em cena.
Dói que nem faca afiada na pele tesa
Vai mutilando meu desejo aos pouquinhos
Até que no fim só sobre uma carne exposta e crua
Um peito rebentado e à míngua
Os olhos cansados e distantes
A voz rouca antes suplicante
A fé escorrendo sangue a fora...
Já desnuda e viva
Muito mais viva do que jamais fora
Real aos olhos teus e de um
Verás tuas asas e tua redenção
Teus anseios calados
O silêncio profundo de um momento bastante
Dois em cena.
sábado, 29 de março de 2014
Blue day
Sempre achei uma certa beleza na melancolia. Uma certa beleza nessa tristeza que invade a alma de repente e transforma tudo em vazio, faz toda a existência perder sentido. É uma experiência solitária, e ao mesmo tempo tão povoada de pensamentos e palavras, de música e cores frias, de uma tentativa desesperada de encontrar alguma coisa, uma resposta.
Melancolia que vai e vem. Ela sempre volta em algum momento, mesmo que há 5 minutos atrás a vida fosse mais doce. Mesmo que antes eu estivesse produzindo sentido pras coisas, essa produção encontra um limite e uma barreira difícil de ultrapassar. Todas as vezes que eu penso ter transposto essa parede, uma outra surge adiante.
Talvez a própria melancolia tenha algum sentido, seja capaz de produzir algo. Eu produzo palavras quando ela me atinge. Eu formulo perguntas essenciais, mas não sou pesquisadora e me dá preguiça correr atrás das respostas. Um dia azul nunca é um dia vivido plenamente, mas não deixa de ser sentido intensamente. Sentir afinal é um dos muitos jeitos de se estar vivo.
Um buraco que ocupa meu corpo, bem onde meu coração está, ainda que eu saiba que não é propriamente o coração que sente, mas a minha mente, que habita todo meu corpo. Ela vive, subsiste e se alimenta de todas essas coisas que meu coração e meu corpo sentem, ainda que seja o nada.
Sinto frio, ainda que haja sol esquentando meu corpo. Sinto solidão, ainda que outro de mim esteja a me chamar incessantemente. Mas talvez a solidão exista para que eu possa produzir essas palavras. Outros já a disseram antes de mim, outros ainda a sentirão quando eu não mais estiver aqui. Há sempre algo à espreita, a espera de que alguém o colha no ar e transforme o nada em poesia.
Uma brecha no tempo e no espaço se forma enquanto penso nessas palavras. Quero me jogar nela e não mais existir, quero me anular diante daquilo que me convoca para ser. A fenda me atrai, e a vida me repele. Lanço-me nela como uma outra forma de existência. Estou paralisada e ainda sim me sinto mais impulsionada do que se estivesse em movimento. O dia se faz noite enquanto eu me faço pó.
Ninguém pode me arrancar daqui, não há ninguém capaz desse resgate e quem poderia já não existe mais pra mim nem como ilusão nem como coisa concreta. Desfaço minhas crenças, minhas expectativas, minhas possibilidades de ascensão.
Sou só mais uma das almas entregue ao que não mais é composto de existências singulares, mas como massa fluida de partes em decomposição. Estou aqui, estendo a mão e ninguém a vê. Já tive a arrogância de acreditar que eu sabia algo que os outros desconheciam, hoje só aceito que na verdade eu não existo como coisa minha, mas como mero corpo sem ossos, mole e moldável a qualquer que se aventure.
Eu estou aqui no que é negro e denso e não sei sair. Nem posso. Nada seria o mesmo se assim não fosse, portanto não tento. Um dia talvez eu me arrependa de ser esse dia sem luz e essa noite sem lua. Mas por hoje me basta. Talvez eu quisesse sentir quão doce essa vida que os outros me falam pode ser, mas hoje não posso e não quero. Nunca seria a mesma, e tenho medo de ser outra coisa. Tenho medo de me perder nessa alegria exuberante e me encher de tantas cores que jamais poderia suportar. Se for pra me perder que seja no corpo quente de outro, e que eu nunca mais volte.
Melancolia que vai e vem. Ela sempre volta em algum momento, mesmo que há 5 minutos atrás a vida fosse mais doce. Mesmo que antes eu estivesse produzindo sentido pras coisas, essa produção encontra um limite e uma barreira difícil de ultrapassar. Todas as vezes que eu penso ter transposto essa parede, uma outra surge adiante.
Talvez a própria melancolia tenha algum sentido, seja capaz de produzir algo. Eu produzo palavras quando ela me atinge. Eu formulo perguntas essenciais, mas não sou pesquisadora e me dá preguiça correr atrás das respostas. Um dia azul nunca é um dia vivido plenamente, mas não deixa de ser sentido intensamente. Sentir afinal é um dos muitos jeitos de se estar vivo.
Um buraco que ocupa meu corpo, bem onde meu coração está, ainda que eu saiba que não é propriamente o coração que sente, mas a minha mente, que habita todo meu corpo. Ela vive, subsiste e se alimenta de todas essas coisas que meu coração e meu corpo sentem, ainda que seja o nada.
Sinto frio, ainda que haja sol esquentando meu corpo. Sinto solidão, ainda que outro de mim esteja a me chamar incessantemente. Mas talvez a solidão exista para que eu possa produzir essas palavras. Outros já a disseram antes de mim, outros ainda a sentirão quando eu não mais estiver aqui. Há sempre algo à espreita, a espera de que alguém o colha no ar e transforme o nada em poesia.
Uma brecha no tempo e no espaço se forma enquanto penso nessas palavras. Quero me jogar nela e não mais existir, quero me anular diante daquilo que me convoca para ser. A fenda me atrai, e a vida me repele. Lanço-me nela como uma outra forma de existência. Estou paralisada e ainda sim me sinto mais impulsionada do que se estivesse em movimento. O dia se faz noite enquanto eu me faço pó.
Ninguém pode me arrancar daqui, não há ninguém capaz desse resgate e quem poderia já não existe mais pra mim nem como ilusão nem como coisa concreta. Desfaço minhas crenças, minhas expectativas, minhas possibilidades de ascensão.
Sou só mais uma das almas entregue ao que não mais é composto de existências singulares, mas como massa fluida de partes em decomposição. Estou aqui, estendo a mão e ninguém a vê. Já tive a arrogância de acreditar que eu sabia algo que os outros desconheciam, hoje só aceito que na verdade eu não existo como coisa minha, mas como mero corpo sem ossos, mole e moldável a qualquer que se aventure.
Eu estou aqui no que é negro e denso e não sei sair. Nem posso. Nada seria o mesmo se assim não fosse, portanto não tento. Um dia talvez eu me arrependa de ser esse dia sem luz e essa noite sem lua. Mas por hoje me basta. Talvez eu quisesse sentir quão doce essa vida que os outros me falam pode ser, mas hoje não posso e não quero. Nunca seria a mesma, e tenho medo de ser outra coisa. Tenho medo de me perder nessa alegria exuberante e me encher de tantas cores que jamais poderia suportar. Se for pra me perder que seja no corpo quente de outro, e que eu nunca mais volte.
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