Descascada.
Era assim mesmo que eu me sentia quando ela disse aquela frase. Assim mesmo, rasgada, aberta. Com os meus sentimentos mais vermelhos pra fora, cobertos de visco. Todo aquele grito e aquele gozo contidos.
Era assim que eu me sentia naqueles dia em que sua ausência se fez tão presente, com a palidez dos seus sorrisos cansados, gastos, retalhados.
E ele volta. E tudo é tão igual e desnecessário que dispensamos os fingimentos, toda a palidez outra vez. Outra vez e sempre, novamente. Tão repetitivo assim, cansando as têmporas, mesmo velho ritual. Tudo tão estranhamente entediante, tão rigorosamente ensaiado. Quase tive vontade de rir de minhas próprias fraquezas infantis. Mas me contive. Tive necessidade de provar do velho rito outra vez, na ilusão de atrair dragões.
Que eles viessem e fossem doces. Que mais? Não sei, eles não viriam de qualquer forma. Eu sabia, mas não queria acreditar. Mesmo quando ela disse aquela palavra, Descascada, eu tentei disfarçar e olhar para o lado. Não sei bem mesmo se aquilo tudo era comigo, mas foi naquele momento que eu percebi, eu estava bem mesmo assim desse jeito, e só eu não via. Talvez só não reparasse.
Os dragões não perdoavam a feiúra. Quem sabe talvez esse indecifrável corpo exposto...
E assim, bem devagar e tão pequena, quase imperceptível para tais olhos que de tão aberos estão cegos, senti uma vontadinha de calçar uns sapatinhos vermelhos...
Tão dificil escrever assim, sem fingir ser outra pessoa, sem sentir essa necessidade de ser outro que não eu.
(Dialogando com Caio F., 8 ou 9 de fevereiro de 2006 - texto batido à máquina, numa noite de calor assisense, numa casa amiga deliciosa, com as emoções vivas pulsando na pele feito feridas abertas.)